Estatísticas do mercado de trabalho refletem a discriminação racial no Brasil, mostra boletim do Dieese
Mesmo com a melhora dos indicadores econômicos, que vem sendo registrada no Brasil desde o início de 2023, “o mercado de trabalho ainda é espaço de reprodução da desigualdade racial. Tanto a inserção quanto as possibilidades de ascensão são desiguais para a população preta e parda. E as mulheres negras acumulam as desigualdades não só de raça, mas também de gênero”.
Esse é o mote principal do boletim “As dificuldades da população negra no mercado de trabalho”, especial para o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro de 2023, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A publicação destaca que apenas 33,7% dos cargos de direção e gerência são ocupados por negros, que representam 56,1% da população em idade de trabalhar do país. Entre os desocupados, porém, 65,1% são negros.
O estudo analisa dados do segundo trimestre de 2023, levantados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PnadC-IBGE).
As mulheres negras são ainda mais afetadas pela discriminação: sua desocupação é de 11,7% (enquanto a taxa entre os não negros é de 6,3%), e uma em cada seis trabalha como empregada doméstica. Entre os ocupados negros e negras, 46% ocupam trabalhos desprotegidos, enquanto essa proporção entre os não negros é de 34%. O profissional negro recebe, em média, 39,2% menos que o não negro.
A discriminação é observada em todos os aspectos do mundo do trabalho. A desocupação na população negra é de 9,5%, 3,2 pontos percentuais (p.p.) acima da taxa verificada entre os não negros. Entre as mulheres negras consultadas pela PnadC-IBGE, 26,6% estavam desocupadas, não tinham procurado trabalho por falta de perspectiva ou, mesmo ocupadas, tinham carga de trabalho menor à que gostariam.
Os negros ocupados não escapam das diferenças discriminatórias impostas pelo mercado de trabalho, pois, como afirma o estudo, “as condições de inserção dos negros são mais desfavoráveis”. Um exemplo ressaltado é que “apenas um em cada 48 trabalhadores negros está em cargo de gerência, enquanto entre os homens não negros, a proporção é de um para cada 18 trabalhadores”. Ao mesmo tempo, o estudo enfatiza que, para os trabalhadores negros, “em todas as posições, o rendimento médio deles é inferior”.
O boletim do Dieese conclui que “mesmo com a indicação do crescimento da atividade econômica, o mercado de trabalho continua reproduzindo as desigualdades sociais. Os trabalhadores negros enfrentaram mais dificuldades para conseguir trabalho, para progredir na carreira e entrar nos postos de trabalho formais com melhores salários. E as mulheres negras encaram adversidades ainda maiores do que os homens, por vivenciarem a discriminação por raça e gênero”.
Apenas 25% dos postos de trabalho da categoria bancária são preenchidos por negras e negros, e as mulheres negras representam apenas 11,4% desse universo. A remuneração também reflete a forte diferença por questão racial existente no setor, também acentuada pela questão de gênero: enquanto um bancário branco recebe em média R$ 11.831, uma bancária preta tem rendimento médio de R$ 7.023 – ou seja, 40,6% inferior. Apenas 20,3% dos cargos de liderança são ocupados por funcionários negros e negras. As mulheres negras são ainda mais oprimidas nesse aspecto, ocupando apenas 8,8% desses postos.
Para o secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Almir Aguiar, “os números da violência deste ano mostram que a população negra é a que mais sofre em relação a homicídios, à abordagem policial. Os dados do IBGE mostram que os negros também são discriminados no mercado de trabalho, que os exclui dos cargos mais qualificados e lhes proporciona um salário muito inferior ao do trabalhador não negro”.
O dirigente afirma que “o importante é tomarmos conhecimento desses números e trabalharmos sobre eles, de modo que consigamos mudar o pensamento dessa sociedade racista, que exclui a população negra. Somos 56% da população do país, mas somos sempre tratados como minorizados, em especial pelo Congresso Nacional”.
Almir defende que “todos devem lutar para mudar esse quadro do mercado de trabalho. Não dá para aceitar esse tipo de discriminação. No setor financeiro é um absurdo: o negro não consegue alavancar na carreira devido à cor da pele. Também o salário é inferior em relação ao de um bancário branco, principalmente o da mulher negra. Por isso, no Mês da Consciência Negra, estamos fazendo esse debate, mas temos que frisar que a luta por uma sociedade justa, igualitária e sem racismo tem que ser travada todos os dias do ano”.